sábado, 6 de agosto de 2016

Festa da Transfiguração do Senhor - explicação do Ícone da Transfiguração


TEXTO: Mc 9,2-8

A TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS


“Seis dias depois, Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João e os fez subir a um lugar retirado, no alto de uma montanha, a sós. Lá, ele foi transfigurado diante deles. Sua roupa ficou muito brilhante, tão branca como nenhuma lavadeira na terra conseguiria torná-la assim. Apareceram-lhes Elias e Moisés, conversando com Jesus. Pedro então tomou a palavra e disse a Jesus: “Rabi, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Na realidade, não sabia o que devia falar, pois eles estavam tomados de medo. Desceu, então, uma nuvem, cobrindo-os com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai-o!” E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém: só Jesus estava com eles”. 

Comentários do texto: 

Faremos uma experiência de leitura diferente: será uma Lectio divina a partir do ícone da Transfiguração (ver capa). Na igreja oriental, os ícones são compreendidos como palavra de Deus. Por isso, para eles, o ícone não é pintado, mas, sim, escrito por um iconógrafo que, após passar meses meditando um texto bíblico, acompanhado de jejum e oração, escreve-o (pinta) sobre a madeira. Este ícone da Transfiguração é russo. Foi adquirido em Belém, na Terra Santa. Ele é de uma beleza impressionante! Por isso, faremos a leitura do texto junto com a contemplação do ícone, versículo por versículo. 
“Seis dias depois, Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João e os fez subir a um lugar retirado, no alto de uma montanha, a sós. Lá, Ele foi transfigurado diante deles.” Esse termo “seis dias depois” liga-se à profissão de fé de Pedro, em Cesaréia de Felipe, em que ele proclama, em nome de todos os discípulos: “tu és o Cristo” (Mc 8,29). Esta ligação exprime que a transfiguração é o momento de revelação da identidade de Jesus. 

Os três discípulos que presenciaram a Transfiguração – Pedro, Tiago e João – são os mesmos que contemplaram dois outros importantes episódios: a ressurreição da filha de Jairo (Mc 5, 21-43) e o momento da agonia, no Monte das Oliveiras (Mc 14, 32-42). Podemos dizer que esses três são os “escolhidos dos escolhidos” para serem testemunhas desses eventos únicos. 

Vamos localizar cada um dos três discípulos no ícone. Falaremos, primeiramente, de São Tiago. Ele é o discípulo que está no centro e usa um manto vermelho, que simboliza a glória do martírio. Ele foi o primeiro dos doze a ser martirizado, no ano 42 d.C. (cf. At 12,2). O segundo apóstolo, que está a direita de São Tiago, é São Pedro. Ele tem o braço estendido, como quem fala, porque é ele que diz: “é bom, Senhor, estarmos aqui, façamos três tendas; uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias.” Ele também tem um manto vermelho, que simboliza o martírio. Segundo a tradição, ele foi martirizado no ano 64 d.C., em Roma.

O terceiro apóstolo é São João. É o que não tem o manto vermelho. Foi o único entre os doze que não sofreu o martírio. Sua posição no ícone é peculiar, porque está olhando para Jesus transfigurado. É uma atitude profundamente contemplativa. Na representação dos animais do apocalipse – que estão ao redor do trono de Deus (Ap 4, 6-11) e que, ao longo do tempo, foram identificados como os evangelistas – João é a águia. Para os antigos, a águia era o único animal que podia olhar o sol diretamente. Assim, João foi reconhecido como o grande místico, que podia olhar diretamente para Jesus transfigurado: Aquele que é mais luminoso do que o sol e sempre foi aclamado como Sol da Justiça. É por isso que João pode dizer, com propriedade, na sua carta: “... Deus é luz e nele não há treva alguma” (I Jo 1, 1-5).

A alta montanha, desde os primórdios do cristianismo, foi identificada como sendo o Monte Tabor, uma elevação de 588 metros, na planície da Galiléia. De lá temos uma belíssima visão de toda a região. Nela, hoje, está construída a Basílica da Transfiguração que, seguindo o desejo de São Pedro, foi edificada como se fossem três tendas: a nave central é a de Jesus, e as duas capelas laterais são dedicadas a Moisés e a Elias. 

“Sua roupa ficou muito brilhante, tão branca como nenhuma lavadeira na terra conseguiria torná-la assim.” Este versículo, juntamente com a última frase do versículo passado, que não comentamos – “Lá, ele foi transfigurado diante deles” – são a imagem central do ícone. Jesus, por alguns instantes, revela sua identidade de Filho de Deus – que é sua identidade mais profunda – e os discípulos percebem esta identidade num mistério de luz. Os discípulos vêem o que Jesus afirmou no evangelho de João: “eu sou a luz do mundo”. (Jo 8,12).

Ao contemplarmos o ícone, percebemos que tudo nele emana luz. Não é uma luz natural, como a do sol, ou artificial, como a de uma lâmpada. É a luz da glória de Deus. Na Transfiguração, uma janela do céu, da eternidade, se abre, e nós podemos entrever a luz da glória eterna. 

Centremo-nos em dois tipos de raio de luz que, no ícone, emanam de Jesus: primeiro, o raio circular verde: é o circulo da verdade, que ilumina o intelecto humano, revelando-o a verdade. O próprio Jesus diz: “eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). E também diz: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). Este é o caminho contemplativo da verdade, que ilumina a inteligência humana e a diviniza. 

O segundo tipo de raio é representado pelos três raios de cor avermelhada, que descem em direção aos discípulos. Esses raios têm a cor do coração humano e infundem o amor divino no coração dos discípulos. Este é o caminho contemplativo do coração, que diviniza o coração humano. Podemos até ver um simbolismo complementar a este, em que esses três raios são as três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade.

Como percebemos neste ícone, podemos mergulhar no profundo mistério de Deus, revelado em Jesus, através dos dois grandes caminhos contemplativos, que não se contradizem, mas se complementam: o caminho da verdade e o caminho do amor. A complementaridade se dá porque o amor protege a inteligência humana da ideologia, que é uma teoria fora da realidade. E a verdade protege o coração humano do sentimentalismo, que é uma deformação do amor. 

“Apareceram-lhes Elias e Moisés, conversando com Jesus.” Neste momento em que a janela do céu se abre, dois personagens centrais do Antigo Testamento aparecem para confirmar e testemunhar Jesus como a plenitude da revelação. No ícone percebemos que, apesar de a Transfiguração acontecer no Monte Tabor, Moisés e Elias são retratados em outros montes. Esta é uma forma de leitura espiritual do texto sagrado, para nos mostrar que cada um desses personagens teve revelações de Deus num monte distinto do monte Tabor. 

Vejamos Moisés. No ícone, ele é o que segura um livro. Este representa a Lei que Moisés recebeu no Monte Sinai (Ex 34). Moisés está com a cabeça inclinada e apontando o livro da Lei para Jesus, mostrando que, em Jesus, a Lei é realizada e plenificada. Do outro lado está o profeta Elias, que também fez uma peregrinação ao Monte Sinai (Horeb) e lá teve um profundo encontro com Deus, que confirmaria sua vocação como profeta (cf. I Rs 19). Ele está com a mão apontada para Jesus e com a cabeça inclinada, mostrando que, em Jesus, todas as profecias se realizaram.

Há um diálogo profundo de Moisés e Elias com Jesus. No evangelho de Lucas é revelado o conteúdo deste diálogo: “falavam do seu êxodo que se consumaria em Jerusalém” (Lc 9,31). Em outras palavras, conversavam sobre a paixão, morte e ressurreição de Jesus: 

“Pedro então tomou a palavra e disse a Jesus: ‘Rabi, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias. Na realidade, não sabia o que devia falar, pois eles estavam tomados de medo.” Os discípulos retratados no ícone, caídos por terra, revelam o profundo contraste experimentado por eles diante de tão grande revelação: num primeiro momento, o temor, que é próprio do contato com o mundo sobrenatural, como vemos na bíblia acontecer com todos aqueles que tiveram alguma forma de contato com Deus. Em seguida, têm uma experiência de felicidade, de paz e de alegria, como uma forma de participação na eternidade. Isso faz com que Pedro diga: “é bom Senhor, estarmos aqui”. 

O pedido de Pedro para construir três tendas pode ser compreendido de uma forma mais profunda, a partir da promessa de Deus, de que armaria sua tenda no meio do seu povo, nos tempos messiânicos. Assim, Pedro, que já tinha reconhecido Jesus como o Cristo, intui que os tempos messiânicos tinham chegado (cf. livro “Jesus de Nazaré” 1ª parte – Bento XVI). Pedro entendeu que, no momento da Transfiguração, aconteceu o que é dito na tradução literal do prólogo do evangelho de João: “o verbo se fez carne e armou sua tenda no meio de nós e nós vimos sua glória” (Jo 1,14).

“Desceu, então, uma nuvem, cobrindo-os com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: ‘Este é o meu Filho amado. Escutai-o!’” Este é o clímax do desenrolar da cena. É a palavra do Pai que dá sentido a tudo o que está acontecendo, quando diz: “este é meu filho muito amado. Escutai-o!” Todos os fatos, palavras e acontecimentos servem como uma moldura para que a palavra do Pai possa ser entendida e acolhida com a força que lhe é devida. Esta é a mensagem central: Jesus é a plenitude da revelação; o filho muito amado do Pai; é nele, por ele e para ele que existem todas as coisas. Só podemos conhecer Jesus profundamente quando contemplamos sua relação eterna de amor com o Pai. E isto acontece quando escutamos as palavras de Jesus, reconhecendo que ele é Deus, que se fez homem e armou sua tenda no meio de nós. 

No Movimento da Transfiguração somos chamados a fazer essa experiência da transfiguração de Jesus todas as vezes que, através da oração, da leitura da Palavra de Deus e da liturgia, buscamos a face de Deus. Nós somos chamados a viver uma oração profunda, intensa e contemplativa que transfigure a nossa vida. Que através desta oração, a luz de Cristo, que recebemos em nossa mente e em nosso coração, possa iluminar nossos pensamentos e atos e, assim, transbordar para todos aqueles que nos cercam.

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